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Os fantasmas que habitam as ruas de Indaiatuba: quem lembra deles?

2 semanas atrás
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Uma cidade, costumamos pensar, é feita de concreto, asfalto, planejamento urbano. Medimos seu sucesso em índices, PIB per capita, metros quadrados de área verde. Indaiatuba, nesse quesito, tira nota alta. Mas e a alma da cidade? Onde ela reside? Arrisco dizer que ela mora menos nos edifícios modernos e mais nos fantasmas – sim, fantasmas – das pessoas que caminharam por estas mesmas ruas antes de nós.

Não falo de assombrações, claro. Falo da memória, essa entidade teimosa e seletiva. Quem são as figuras que povoam o imaginário coletivo de Indaiatuba? Quem ganha nome de rua, busto em praça, verbete na história oficial? E quem se perde nas brumas do tempo, lembrado apenas em conversas saudosas de esquina ou em blogs dedicados a resgatar o passado?

Pensemos em Pedro Gonçalves Meira. O nome pode não soar familiar de imediato para todos, mas foi ele, lá em 1813, quem doou as terras para a primeira capela, o embrião da nossa cidade. Um gesto fundador, que o coloca nos livros como “o fundador”. Uma figura oficial, importante, cuja ação desencadeou o processo que nos trouxe até aqui.

Lembramos dele? Talvez. Mas sentimos o peso de sua decisão no nosso dia a dia?

Agora, saltemos no tempo e no estilo. Pensemos em Nabor Pires Camargo. Ah, esse nome ressoa mais forte, especialmente para quem aprecia música. O clarinetista que levou o nome de Indaiatuba para os palcos do rádio, que compôs o nosso “Luar de Indaiatuba”. Um artista reconhecido, que dá nome à escola de música, um orgulho local. Sua história é celebrada, sua arte (ainda bem!) preservada. Ele representa a Indaiatuba que produz cultura, que se destaca, que deixa um legado artístico.

Mas e os outros fantasmas? Aqueles que não fundaram cidades nem compuseram valsas famosas? E Tonhão Lobisomem? A figura sisuda, de botas e cachimbo, que assustava a criançada com a lenda de se transformar em noite de lua cheia. Que histórias ele carregava por trás daquela fachada taciturna? Ou Mário Louco, que “dirigia” seu chapéu pelas calçadas, imerso em seu próprio mundo de velocidade imaginária? Ou ainda Lourenço sem Chapéu, figura popular do início do século XX, cujo apelido por si só já desperta curiosidade?

Esses personagens, chamados por alguns de “popularescos” ou “tipos pitorescos”, também fazem parte da nossa história. Eles não estão nos livros didáticos, talvez nem

mereçam nome de rua. Mas eles habitavam o mesmo espaço que nós, davam cor (e talvez um pouco de caos) à vida cotidiana da Indaiatuba de antigamente. Eram o contraponto à ordem, à normalidade. Eram, à sua maneira, personalidades.

O que a memória seletiva da cidade faz com essas figuras? Celebramos o fundador e o músico, e relegamos o “lobisomem” e o “louco” ao folclore, à anedota, quando não ao esquecimento completo. É natural, talvez. Toda sociedade escolhe seus heróis e seus párias. Mas o que essa escolha diz sobre nós?

A Indaiatuba de hoje, tão preocupada com a imagem, com a eficiência, com os rankings de qualidade de vida, ainda teria espaço para um Tonhão Lobisomem ou um Mário Louco? Ou a busca incessante pela ordem e pela normalidade acabou por varrer essas figuras excêntricas para debaixo do tapete do progresso?

Não se trata de romantizar a pobreza ou a excentricidade. Mas de refletir sobre a riqueza que reside também naquilo que foge à norma. As histórias dessas pessoas, oficiais ou popularescas, compõem o tecido complexo da nossa identidade. Lembrar de Pedro Gonçalves Meira nos conecta à nossa origem. Lembrar de Nabor Pires Camargo nos conecta à nossa sensibilidade artística. E lembrar (ou tentar resgatar a memória) de Tonhão, Mário, Lourenço e tantos outros nos conecta com a humanidade imperfeita, diversa e fascinante que sempre existiu – e talvez ainda exista, escondida – em nossas ruas.

Que fantasmas queremos manter vivos em nossa memória coletiva? Apenas os “bem- sucedidos”, os “oficiais”? Ou temos coragem de abraçar também as histórias daqueles que viveram à margem, mas que, inegavelmente, deixaram sua marca singular na alma desta cidade? A resposta definirá que tipo de história contaremos sobre nós mesmos no futuro.

Por: Fernando Loggar

Referências: * História de Indaiatuba. Prefeitura Municipal de Indaiatuba. *Blog História de Indaiatuba . * Dicionário Cravo Albin * Lista de Prefeitos de Indaiatuba (Wikipedia). *

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